sexta-feira, fevereiro 01, 2008

O Piano




[Imagem em preto e branco]

Aquela presença me incomoda e seu som me perturba num misto indescritível de delírio e melancolia. Aquele som grave opondo-se ao agudo e concomitantemente fazendo ressoar a dor que eu não ousaria pronunciar, o sentimento que não ousaria sentir, o silêncio que não poderia suportar, o período que não conseguiria terminar.

Explodo de fúria, mas não chego perto. Deixo o piano falar, deixo o piano tecer as notas e construir a realidade da qual pertenço. Deixo o piano desenhar com sua melodia a harmonia do meu coração. Deixo o piano me ferir com o gravíssono de seu som e deixo-o levitar minh'alma com a derradeira nota inaudível.

É a profana madeira negra que me atrai. Não. É a atmosfera sagrada que me perpassa. Invade-me o dedilhar da sinfonia insuportavelmente encantadora. Vibras e és. Vibras as cordas, És o piano. Não devo deixar me levar pelo piano. Imploro por um sustenido ou bemol, imploro pela insólita fuga do ordinário. Imploro para que toda a perfeição do piano destrua minha fantasia, acabe com minha dependência. E assim, mesmo perto, me afaste do piano e fique num lugar onde minha visão não possa o alcançar.

Hoje dou-te de costas. E hoje sou orgulhoso àquelas desafinadas notas. Fecho meus olhos. Mas deixo meus ouvidos abertos.

2 comentários:

Hudson Pereira disse...

E tal qual o piano o atrai. à mim atrai tua prosa como esses traços marcantes e uma descrição tão emotiva que estive,por alguns segundos na presença do objeto tão adorado.

=D

Unknown disse...

UAU!!!
Um dia vou poder tirar onda e dizer: tá vendo aquele escritor famoso, distribuindo autógrafos?!?!?! Estudei com ele!!!
Mto bom, Adilson!!! Vc é o melhor!!!